Uma leitura psicanalítica dos estados depressivos

Por Marília Macedo Botinha

No Campo da Psicanálise, podemos dizer que Freud, embora não tenha escrito especificamente sobre depressão, ocupou-se da mesma desde sempre. Seus casos clínicos são permeados por citações e sintomas que falam de depressão. Ele faz, inclusive, uma distinção, pois diz que a “depressão periódica branda” estaria ligada a um trauma psíquico e a melancolia teria origem endógena.

 

Mas é em Luto e melancolia, de 1915, que Freud traz a questão de forma explícita, dizendo que a melancolia é um estado de ânimo doloroso, onde cessa-se o interesse pelo mundo exterior, ocorre a perda da capacidade de amar, inibição de várias funções e, principalmente, diminuição da autoestima. Aparecem autorrecriminações e autoacusações, que podem se intensificar e buscar por retaliações.

 

Freud nos mostra que no luto é a dor pela perda de um objeto amado que precisa ser elaborada. No luto, o exame da realidade leva a libido ao doloroso trabalho de abandono dos ligamentos com o objeto amado perdido, o que ocorre lentamente, finalizando com a liberação da inibição da libido com este trabalhoso processo, mas que dá a possibilidade de se ligar a um novo objeto. Já na melancolia a perda tem características diferentes, pois nem sempre o melancólico sabe o que perdeu ao perder alguém. A conexão fica mais clara quando ocorre a ligação com o narcisismo, em que, através de uma regressão narcísica, se identifica com o objeto perdido. Assim, as acusações, as punições, são realmente acusações ao objeto alojado no indivíduo. Dessa maneira, podemos dizer que a libido antes investida no objeto não se faz liberada para investir em um novo objeto, como no luto, mas se retrai narcisicamente sobre o eu e se identifica com o objeto perdido. Encontramos a emblemática frase freudiana de que a “sombra do objeto recai sobre o eu”, o que impede o trabalho do luto de prosseguir. A ferida narcísica advinda dessa vivência pode se cristalizar e não cicatrizar.

 

Na atualidade, a depressão se tornou um fenômeno significativo dentre as patologias contemporâneas. Encontramos até de forma banal a expressão “estou deprimido”. Essa expressão ficou realmente cotidiana no homem pós-moderno.

 

O paciente chega ao consultório e se diz deprimido. É importante nos perguntarmos: o que é depressão?

O que é tristeza?

 

Muitas vezes me deparei no consultório com pacientes deprimidos ou que se diziam assim, mas é importante termos ouvidos atentos para ouvir e escutar. Ouvir a queixa, ouvir o nome do que o paciente se diz vivendo e escutar sua dor, buscando saber o que de fato ela é. Tentamos buscar no subjetivo da pessoa sua interioridade, sua verdade, sua profunda dor e desamparo.

 

Penso ser necessário fazer uma diferenciação entre o diagnóstico psiquiátrico de depressão e outras manifestações depressivas em psicanálise, como o luto, a melancolia ou a tristeza.

 

Todas essas manifestações estão ligadas a uma dor psíquica relacionada à falta. Vêm à minha mente lembranças de pessoas que atendi e que viviam uma falta por perda, um luto, pessoas que tinham a perda melancolicamente dentro delas, pessoas numa tristeza imensa, advinda muitas vezes de momentos de grande mudança, onde o que é deixado precisa ser elaborado e o que está surgindo traz medo.

 

Outra questão que penso ser importante falar é sobre o envelhecimento. Tenho recebido pessoas de mais de 60, 70 anos, que vivem perdas que o seguir dos anos impõe, perda do vigor. Muitas vezes já escutei: “minha cabeça vai a muitos lugares, tenho vontade de fazer muitas coisas, mas o corpo não acompanha”. Também as perdas por morte se fazem presentes, tem-se muito para elaborar, e se o luto não se apresenta, a melancolia pode ocupar assento e todos os desdobramentos que dela advém.

 

Falando um pouco de teoria psicanalítica, vou citar Winnicott, que propõe a depressão como um movimento do desenvolvimento. Winnicott diz que a capacidade de deprimir-se advém da capacidade do bebê em tomar para si o que há de bom e mau em sua realidade psíquica (pode-se pensar o mesmo na criança e no adulto).

 

Winnicott se utiliza do conceito de concernimento, em que a criança consegue integrar vivências boas e ruins e desenvolve a capacidade de preocupar-se com o objeto e com a sua própria condição de causar danos. Assim, o estágio de concernimento é encontrado tanto nas vivências de luto quanto nas depressões, sejam elas simples ou patológicas. Winnicott destaca a capacidade de deprimir-se como uma conquista do amadurecimento, só naturalmente possível a partir de um certo momento desse desenvolvimento. Caso esta vivência não ocorra de forma satisfatória na vida do indivíduo, a depressão poderá tomar o caráter patológico, passando da ideia de desenvolvimento para a de impotência e de sentimento de não continuidade de ser, o que poderá levar a um quadro depressivo patológico.

 

Levando em conta as proposições de Winnicott, vemos que o trabalho analítico nessas disfunções deve levar em conta as ansiedades advindas do relacionamento dual, e esse será o modelo para a situação analítica. O manejo do tempo e a sobrevivência do analista são as técnicas esperadas. Assim, poderá se constituir a transferência dual, como o que ocorre na relação mãe-bebê ao longo do estágio do concernimento, podendo-se ter que alcançar a análise do primitivo, que evoca o holding na relação analítica. O analista deverá sobreviver à vivência destrutiva do cliente para que este possa desenvolver a capacidade de deprimir-se que levará ao concernimento.

 

Podemos, assim, perceber como a teoria do estágio do concernimento de Winnicott é fundamental para a compreensão dos estados depressivos presentes na clínica psicanalítica.

 

 

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